Todo dia ela faz sempre tudo igual…e sacode a cidade a alguma hora da manhã…e sorri com uma ironia pontual…
Isabel Díaz Ayuso — a quem Chico Buarque certamente não dedicaria uma música –, presidenta do estado de Madri (aqui chamado Comunidad), está na crista da onda. Ou no olho do furacão. Ou em meio a uma tormenta. Depende de onde se olhe.
Afinal, a mesma polarização que vive o Brasil de Bolsonaro e os Estados Unidos de Donald Trump, também se sente aqui. E Ayuso é a maior representante nacional desse embate, “de la crispación”, potencializada ainda mais pela gestão da pandemia de covid-19.
Se num momento transcendental da história da humanidade governos de todos os níveis deveriam cooperar, no universo Ayuso, onde vivemos 6.747.425, a ordem é ir ao ataque. E sem complexos, como bem escrevia o jornal El País num um logo perfil sobre ela. Neste mundo, perseguição, vitimismo, antiposição da economia sobre a saúde, mentiras, distorções e falta de escrúpulos são substantivos mais do que concretos. Ayuso, é claro, naturalmente passou a ser chamada “da réplica castiça de Trump”.
Nunca ouvi-la opinar sobre a presidência do magnata americano, mas sim replicar absurdos ditos pelo presidente do país onde a pandemia mais matou no planeta. “Todos los días hay atropellos y no por eso prohibes los coches”, disse dias desses.
A jovem governadora, 40 anos de vida e pouco de política no currículo, copiava literalmente a frase do candidato à reeleição à 6 mil quilômetros da Puerta del Sol, sede do governo madrilenho. O presidente dos Estados Unidos justificava, para reabrir o seu país, que embora muitas pessoas morram nas estradas, “isso não significa que tenha de dizer às pessoas para não conduzirem”. Não é a única coincidência.
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A madrilenha se comporta como Trump em menores geografias. “Madrid first” facilmente poderia ser seu slogan. No caso dela, isso tem menos a ver com a megalomania trumpiana que com a necessidade de criar um sentimento local. Algo similar ao sentimento de ser catalão — que nunca senti no povo de Madri. Para forjar uma identidade madrilenha como Trump nos Estados Unidos, ela não raramente compartilha mensagens racistas e xenófobos. Durante a pandemia, disse frases que automaticamente passaram para o folclore da política local. Em 15 setembro, ao tentar explicar a subida de infectados pela covid-19 em Madri, saiu-se com “se están produciendo, entre otras cosas, por el modo de vida que tiene nuestra inmigración”. Poucos dias depois, se saia com “Madrid es España dentro de España”.
No domingo, a presidente viralizou mais uma vez nas redes sociais. E mais uma vez por maus motivos. Numa entrevista ao vivo para a a TeleMadrid, a tv pública do estado, ela anunciava a inauguração de um novo hospital público. Inicialmente focado no tratamento de infectados pelo vírus, o hospital Isabel Zendal ficou pronto em quatro meses. Até aí, poderia ser uma boa notícia. Mas…”e os médicos para atender no hospital, de onde sairão?”, perguntou a jornalista para uma Ayuso visivelmente incômoda. “Não faltará nada para o hospital”. A jornalista insistiu, e tinha bons motivos para isso: desconfia-se que sem novas contratações planejadas, trata-se de esticar uma ponta do cobertor e deixar os pés desprotegidos: os médicos de Madri já denuncian falta de plantilha na rede existente. Ayuso então saiu-se com mais uma frase que ficará para os anais da política espanhola: “Esas preguntas no se le hacen a una presidenta autonómica”.
Ayuso certamente sabe da existência de Jair Messias Bolsonaro, mas muito provavelmente o capitão nunca ouviu falar da mandatária madrilenha. Melhor assim. Com tanto em comum, sentados comendo pão com leite condensado, eles podem ter ideias ainda piores para o mundo. E compartirem com Donald Trump.
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