Se algum amigo do mundo que fale português me perguntar o que está acontecendo no Brasil, minha resposta imediata será: difícil explicar, melhor ver Marcelo Adnet narrando o país de sua casa. Para mim o humorista mais talentoso do Brasil, Adnet traduz a esquizofrênica atualidade nacional com graça, agudeza, contexto e timing perfeitos. Ele ainda é transgressor: contratado da Globo, aliada de primeira hora e defensora voraz da política econômica de Paulo Guedes, ele não economiza palavas para explicar as intenções do moribundo chicago boy, como no rap abaixo.
O certo é que o nonsense das medidas e atitudes de Bolsonaro ganham competição acirrada com a representação de Adnet. Que tal uma paródia de Mila, música-tema de algum verão dos 90, de Netinho, cantor e defensor de Bolsonaro, para explicar a cloroquina…
Ou um agradecimento de Bolsonaro por esquecermos o que realmente importa?
Adnet é o farol do Brasil.
Ali do lado, num país conhecido pelo alto nível intelectual médio de sua população, por ter o índice per capta mais alto do mundo de consultas ao psicólogo, e também por ser um lugar onde ironia e auto-flagelação parecem ser parte do chip local, fui apresentado a um Adnet para mim ainda mais genial. Guille Aquino conta em esquetes de uns cinco minutos, produzidas, redigidas e interpretadas por ele mesmo — à vezes em coautoria e coencenação –, a história de um país em crise desde que ele nasceu, a uns 30 e pouco anos atrás. Guille até se parece a Adnet.
O humor de Aquino é muito mais visceral que o do brssileiro. Trata-se quase sempre de temas sociais “jodidos”, como dizem por lá. “Sempre montamos uma tese sobre o tema a ser discutido. Mesmo quando ele é ambíguo ou contraditório. E embora, como autores, podemos ter uma mesma opinião, o que contamos não precisa necessariamente replicar exatamente o que pensamos. Porque não queremos subestimar o público. Às vezes, vejo piadas sendo feitas que um determinado grupo de pessoas está esperando para ouvir. E não sei quanto faz sentido dar ao público algo que o mesmo público pode fazer entre amigos. Se eles conseguem, para que diabos eu sirvo? Em um ponto, você precisa dar uma olhada e oferecer uma perspectiva diferente. É o que tentamos fazer”, contava Aquino numa entrevista a um jornal do país. Ele consegue com 100% de glória. Aquino explica a Argentina macro, mas também a personalidade, as contradições diárias, os desejos da classe-média local e muito mais. Como seus esquetes são recheados de referências, às vezes os alienígenas ao país, como eu, me perco um pouco. Mesmo assim, posso assegurar: depois de assisitir Guiller Aquinho, você vai desembarcar em Buenos Aires pós-graduado em atualidade argentina.
Compartilho alguns dos vídeos de Guille Aquino com uma contextualização curta para ajudar no entendimento. Divarta-se!
1. El Último Porteño
Em “El Último Porteño”, o vídeo mais recente de Aquino, quase sem respirar o ator compartilha oito minutos e 13 segundos de incômodos argentinos. Acompanhado por dois conhecidos artistas locais, Guzman e Belloso, passageiros do futuro, segundo o vídeo Guille é o único sobrevivente à COVID-19 de Buenos Aires. Há diretamente uma crítica à concentração de poder do país na capital federal: “os outros estados agora prosperam. Há menos concetração demográfica, por isso menos desemprego, por isso menos fome e daís menos insegurança”. O ego porteño (do nascido em Buenos Aires) logo se revela “sou o único porteño e os outros estados já me estam pedindo coisas”, diz. É quando o cientista começa a mostrar imagens de lugares icônicos de Buenos Aires para que Aquino explique o que eram. IMPAGÁVEL!
Ao contar sobre as ciclofaixas, por exemplo, Guille lembra da exploração dos entregadores de aplicativo, um tema que dá voltas ao mundo. Sobre a expansão das igrejas protestantes, “a gente pobre deixava dinheiro em troca de comforto emocional e os de classe-média os chamavam de idiotas”. E vocês, da classe-média, o que faziam, pergunta o homem do futuro: “pagávamos mil pesos por semana a um psicólogo por 10 anos”.
2. Los 40 Guillermosn en la cuarentena
Ao falar sobre a mudança de humor de cada um e de todos nós durante a quarentena numa conversa com um doutor que o diagnostica com transtorno de identidade, ele nos conta um pouco da alma argentina, da queixa eterna aos políticos às reflexões interiores: “o vírus somos nós”.
3. Argentina vs Coronavírus
“Me estás discriminando por ser asiático”. Melhor ver.
4. Palermo Indie
Palermo Indie conta a história de meia humanidade. Chega a hora de renovar o contrato de aluguel numa cidade grande, onde todo mundo quer morar e, tchazam…o preço duplicou. A solução? Contar com os serviços super profissionais de um corretor que quase nos diz na cara: morar na rua pode ser cool.
5. Novia Antidroga
É Palermo, um bairro moderno e caro de Buenos, mas podia ser no Leblon. A namorada riquinha está irada com os pobres que fumam maconha num parque do bairro “Lindo dia para fuder a vida”, ela diz. Estressada, resolve ela bem também fumar. E explica o porquê pode…
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