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Finlândia, o país mais honesto do mundo

Na Finlândia, as pessoas são consideradas honestas o tempo todo, e a confiança é implícita, a menos que se prove o contrário

Cabana de verão no arquipélago de Turku, na Finlândia

O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, disse ontem ter contraído a covid-19. Depois de ter se exposto por meses sem proteção, de ter convivido com dezenas de pessoas que já se haviam infectado, de ter mudado seu nome em exames anteriores pra testar a enfermidade, depois de dizer não ter medo de contrair a doença, “já que por seu histórico de atleta, se fosse acometido, teria apenas uma gripezinha”, a reação de parte do população e da imprensa foi de desconfiança: será verdade?

É muito provável que Bolsonaro nunca tenha pensado sobre, mas como escreveu o psicanalista Contardo Calligaris na Folha de S.Paulo, também acho que estamos condenados ao fracasso como país até o momento que confiar nos outros siga sendo perigoso.

“A confiança é um dos fatores cruciais que fazem que uma sociedade seja próspera ou não”. O teste de Bolsonaro anunciado ao vivo depois de ser ocultado, os desastres de Mariana, de Brumadinho, do CT do Flamengo, da boate Kiss, os desmoronamentos da chuva no Rio, a corrupção de cada dia no noticiário e nos pequenos atos, são exemplos grandiloquentes para cultivar a desconfiança social. O Brasil está doente e precisamos nos consultar coletivamente se quisermos avançar e (re)estabelecer laços de confiança. Como? Não sei exatamente…

Escrevo sobre o tema ao ler uma reportagem inspiradora da BBC sobre um país onde a lógica é a contrária: “Por que na Finlândia dizem que sempre falam a verdade?” é o título. Compartilho o que mais chamou a atenção:

Segundo o repórter, a primeira prova sobre a honestidade finlandesa foi ter esquecido sua gorra em un lugar público e a encontrado perto dali. “Durante minha visita, eu lentamente descobri que a honestidade é altamente valorizada nesta sociedade e é a base de toda interação. A confiança está implícita, a menos que se prove o contrário”.

“Ser honesto é uma característica da cultura finlandesa, pelo menos em comparação com outras culturas”, diz Johannes Kananen, professor da Escola Sueca de Ciências da Universidade de Helsinque. “Em inglês, há um ditado que diz que a verdade é tão valiosa que deve ser usada com moderação. Mas na Finlândia, as pessoas dizem a verdade o tempo todo”, explica ele.

A honestidade finlandesa é empírica: a revista Reader’s Digest ocasionalmente faz o teste “carteira perdida”: seus repórteres “perdem” carteiras em cidades do mundo todo. Cada carteira tem dinheiro com informações de contato, fotos de família e cartões de visita. No último teste, das 12 carteiras perdidas na capital finlandesa, 11 foram devolvidas aos seus proprietários, tornando Helsinque a cidade mais “honesta” entre as avaliadas.

Urpu Strellman, um agente literário de Helsinque, disse à BBC: “Uma imagem foi criada dos finlandeses como pessoas austeras, modestas e trabalhadoras que obedecem a Deus e passam por momentos difíceis sem fraquejar. Essas são características que estão intimamente relacionadas à honestidade. A paisagem amplamente rural, combinada com os invernos escuros do Ártico, exige a adoção dessa atitude para que a Finlândia siga sendo um país forte”.

Luteranismo

A catedral luterana de Helsinki

A Igreja Luterana na Finlândia é uma das maiores do mundo. E a ética protestante, na qual veracidade e honestidade são altamente valorizadas e respeitadas, está profundamente enraizada na cultura finlandesa.

Um caso ilustrativo foi o dos esquiadores finlandeses quando a Finlândia sediou o Campeonato Nórdico de ski em 2001. Seis atletas nacionais foram desclassificados por doping. O assunto foi abordado na imprensa nacional como uma questão de vergonha pública, causando um sentimento de constrangimento coletivo no país.

“Para os finlandeses, o pior do escândalo de doping não foi, no entanto, o próprio escândalo”, relata um artigo publicado no The International Journal of the History of Sport. A pior parte foi que, juntamente com a fachada da honestidade no esporte em geral, o mito do país honesto e trabalhador desmoronou. Dzia respeito ao orgulho nacional”.

Fé cega no estado

Na Finlândia, o estado é um amigo, não um inimigo. “A percepção geral é que o Estado age para o bem coletivo, e assim também os funcionários públicos. Existe uma grande confiança nos concidadãos e ocupantes de cargos públicos, incluindo a polícia. Por isso, os finlandeses também são contribuintes felizes. Eles sabem que o dinheiro dos impostos é usado para a coletividade e que ninguém trapaceará coletando impostos”.

No convívio social, “eles não costumam falar dos outros pelas costas, mas se alguém pedir uma referência sobre você, dirão exatamente o que acham. “Isso pode ser parte da fórmula do país que foi recentemente eleito o “País Mais Feliz do Mundo” pelo terceiro ano consecutivo, diz o jornalista. “Quando cheguei à Finlândia, estava ansioso para ver o que é esse alto nível de felicidade. Afinal, a felicidade está relacionada à honestidade”, elocubrou.

Faz sentido. Um estudo publicado pela American Psychological Association estabeleceu conexões entre uma melhor saúde mental e física ao dizer a verdade. Honestidade à parte, a suposta felicidade do país certamente não era óbvia.

“Há uma ideia muito forte de que você precisa dizer as coisas como elas são, sem fazer promessas vazias e sem tentar polir as coisas. Os finlandeses apreciam a franqueza mais do que a eloqüência”.

Os finlandeses levam o que dizem muito a sério, então cada palavra conta. Em um estudo, o etnógrafo Donal Carbaugh explica como declarações superlativas parecem presunçosas para os finlandeses. A única regra da comunicação finlandesa, ele escreve, é levar a sério o que você diz.

Kananen concorda: “Os finlandeses tendem a interpretar as expressões literalmente. Então, se você diz que comeu o melhor hambúrguer do mundo, isso pode levar a uma conversa em que você é questionado sobre todos os hambúrgueres que já comeu” durante toda a sua vida e os critérios exatos que o levaram a fazer a declaração.

“A menos que você possa provar que foi objetivamente o melhor hambúrguer de todos os tempos, dizer algo assim os fará suspeitar de você e, é claro, eles o considerarão presunçoso.” Claro, isso também tem outra leitura.

Uma única verdade

“O outro lado dessa cultura é a tendência de pensar que há apenas uma ‘verdade’ sobre muitas coisas, como economia, saúde ou tecnologia”, diz ele.

“Podemos ler essa verdade nos jornais e na voz dos especialistas. Isso nos torna pouco tolerantes com a diversidade de opiniões, já que existe uma crença profundamente enraizada de que há apenas uma verdade”.

Mais do que a verdade, lle dirão os finlandeses, a honestidade acaba sendo a melhor política, embora demore um pouco para se acostumar. Num país onde desconfiamos do resultado do teste do exame do presidente, então, há muito trabalho pela frente.

E você, que acha do protagonismo da sinceridade nas relações sociais? Gostaria de viver na Finlândia? Comente!

Leia aqui a reportagem original da BBC (em inglês)

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