O fim do turismo?

Cruzeiro invade Veneza, a cidade que melhor representa o turismo massimo no mundo

“A pandemia devastou o turismo global e muitos dirão ‘boa viagem’ para cidades superlotadas e maravilhas naturais repletas de lixo. Existe alguma maneira de reinventar uma indústria que causa tanto dano?”, enuncia uma longa reportagem do conceituado jornal inglês The Guardian, que deve ser lida por qualquer um que trabalha no setor e por viajantes antenados. Essa é, sem dúvida, uma pauta que ganhará protagonismo nos próximos anos e demandará, inclusive, especialistas no assunto.

Alguns dos trechos que achei mais interessantes:

O turismo é uma indústria incomum, pois os ativos que monetiza - uma vista, um recife, uma catedral - não pertencem a ele. As empresas de cruzeiros dominantes no mundo - Carnaval, Royal Caribbean e Norueguês - pagam pouco pela manutenção dos bens públicos dos quais se aproveitam.
Indústria global que é, o turismo significa o conjunto de atividades que vai desde a construção de motores de aviões na fábrica da Rolls-Royce em Derbyshire até os goles de cerveja no pub irlandês de Montego Bay. Nesta perspectiva global, não pode ser facilmente planejado ou controlado. Seus controladores naturais são governos municipais, estaduais e nacionais, e cada uma (e todas coordenadas) dessas instâncias tem responsabilidade pelo futuro do setor e o impacto na vida de cada um de nós. 
A maioria dos grupos hoteleiros, operadores turísticos e autoridades nacionais de turismo, qualquer que seja seu compromisso declarado com o turismo sustentável,c ontinua priorizando economias de escala que inevitavelmente levam a mais turistas pagando menos dinheiro,  acumulando mais pressão sobre o entorno. 
O coronavírus revelou o perigo de dependência excessiva do turismo, demonstrando de maneira brutal o que acontece quando o setor que apoia uma comunidade inteira, às custas de qualquer outra atividade mais sustentável, entra em colapso.
Por todo o dinheiro que a indústria do turismo gera, um dos custos a ter em conta num lugar ocupado pelo turismo é a maneira como distorce o desenvolvimento local. Os agricultores vendem suas terras para a cadeia de hotéis por não poderem competir com o preço da especulação dos terrenos. A água é desviada para o campo de golfe, enquanto os moradores não contam com saneamento básico. A estrada é pavimentada até o parque temático, não até a escola. Na subordinação da economia a um motor poderoso e caprichoso, a dependência é cruel, e a principal ameaça é a possibilidade de retirada súbita de players desse setor se forem contrariados.
Desde a gasolina e as partículas lançadas dos jetskis até os pesticidas que cobre o gramado, todo prazer inocente do turista envolve um golpe para o planeta. Pense na comida deixada na geladeira e nos produtos químicos usados para lavar a roupa de cama de cada uma das 7 milhões de propriedades de aluguel do Airbnb, ou no combustível cancerígeno que é queimado pelos navios de cruzeiro. E nas emissões de carbono dos aviões. "O turismo é significativamente mais danoso em infestar o planeta de carbono do que outras áreas potenciais de desenvolvimento econômico", relatou um estudo recente na revista Nature Climate Change. Entre 2009 e 2013, a contribuição de carbono global do setor cresceu para cerca de 8% das emissões globais de gases de efeito estufa, a maioria gerada por viagens aéreas. "O rápido aumento da demanda turística", continuou o estudo, "está superando efetivamente a descarbonização da tecnologia relacionada ao turismo".
Las Ramblas, em Barcelona: cidade é uma das mais pró-ativas do mundo no debate sobre o turismo massivo
De maneira mais ampla, o turismo deve ser avaliado não como uma fonte rápida de divisas, mas como uma parte integrada da economia de uma nação, sujeita ao mesmo planejamento e análise de custo-benefício que qualquer outro setor. Em lugares onde o turismo é muito dominante, ele precisa encolher. Tudo isso precisa acontecer em conjunto com esforços mais amplos para descarbonizar a sociedade.
O princípio econômico do "poluidor-pagador" está sendo gradualmente introduzido na agricultura, na manufatura e na energia. A ideia é que, se sua empresa produz efeitos colaterais prejudiciais, ela deverá pagar pela limpeza. Algo semelhante, incorporando não apenas danos ambientais, mas também uma degradação cultural mais ampla ou danos ao modo de vida, pode se tornar o princípio norteador de uma indústria do turismo adequadamente sustentável.
Esperava-se que os chineses, o grupo de viajantes que mais cresce no mundo, fizessem em 2020 160 milhões de viagens ao exterior, um aumento de 27% em relação a 2015.
Maior símbolo global da massificação do turismo, eis alguns números de Veneza: Entre 1950 e 2019, a população de Veneza caiu de cerca de 180.000 para 50.000, enquanto o número de visitantes anuais aumentou de 1 a 30 milhões.
O turismo não é um direito natural -- o que muitos turistas, independentemente do orçamento, pensam que é. É um luxo que precisa se pagar fazendo-se contas complexas para seguir existindo. 

Leia aqui a reportagem completa (em inglês)

E você, acha que a pandemia de coronavírus é uma boa oportunidade para repensar uma das indústrias mais importantes e promissoras da economia global? Adoraria saber a sua opinião.

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