Há exatamente 50 anos, em 21/06/1970, a seleção do rei Pelé derrotou a Itália por 4×1 na final da Copa do Mundo e se coroou no considerado melhor campeonato de futebol da história. No jornal espanhol EL PAÍS de hoje, não se economizam adjetivos para relembrar o feito “do time mais legendário da história do futebol”.
Mas o que me chamou mais a atenção da reportagem foi a entrevista de Eduardo Gonçalves de Andrade, o camisa 9 do time histórico. Filho da classe-média — raridade ainda hoje nas equipes de ponta brasileiras –, formado em medicina, contador de histórias e escritor de mão cheia — ele escreve na Folha de S.Paulo —, Tostão responde a cada uma das 19 perguntas com o mesmo talento com que organizava o meio de campo. Perguntado sobre como a ciência influencia hoje o futebol, ele opina que “até a década de 1960, habilidade e telanto individual predominavam, mas com os avanços científicos esses aspectos se tornaram menos decisivos em detrimento do condicionamento físico e tática de equipe. Habilidade não é mais suficiente, e perdemos (seleção brasileira) o jogo coletivo do meio-campo”. O repórter então emendou com uma pergunta profunda, cuja resposta me pareceu brilhante. Um resumo do que para mim é o principal problema do Brasil em 2020, cujo resultado reverbera, segundo Tostão, nas quatro linhas.
Pergunta: A troca de passes no Brasil é perdida como um valor coletivo porque o senso de comunidade se deteriora?
Resposta: Existe uma relação. O passe simboliza o jogo coletivo, o espírito de equipe, a solidariedade e o respeito mútuo. As pessoas têm todo o direito de querer melhorar suas vidas, desfrutar de prazeres e ganhar dinheiro. Mas sem esquecer que outros também querem o mesmo. No Brasil, cresceu uma sociedade egoísta: uma sociedade que explora outra sociedade. O senso de comunidade diminuiu na sociedade, e no campo o jogo coletivo também diminuiu. O Brasil joga brilhantemente com a bola nos pés de um jogador, defendendo ou driblando. Ou daquele que atua para marcar gols. Ninguém joga pelo parceiro, ninguém procura uma resposta, ninguém pensa na organização. Não é a lógica do jogo, é a lógica do lucro. Temos mais talentos individuais qu jogadores que pensam no que fazem com a bola. Drible, drible, drible, finalização, finalização… Muito poucos jogadores aparecem. Muitos estão perdidos no meio do caminho. Eles saem da parte da sociedade que vive na miséria. O que se pode esperar se 50% da população não tem água potável? É uma vergonha! E o fruto da ganância de alguns. Assim, o futebol se torna o jogo das individualidades, não o jogo do time. Porque o país é um país desigual, onde os que podem querem vencer a todo custo e outros apenas lutam para sobreviver. Como podemos pedir aos jogadores de futebol que não sejam individualistas e pensem coletivamente? Isso é mais trágico que a pandemia.
Gênio Tostão.
Veja também: Tricampeã mundial, seleção brasileira de 1970 foi time quase perfeito (coluna de hoje de Tostão na Folha)
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