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Quem melhor explica o totalitarismo

Em 2016, Donald Trump, àquela altura candidato a presidente dos Estados Unidos, disse num discurso em Iowa: “Poderia estar em plena Quinta Avenida e atirar em alguém, e não perderia eleitores”. Quatro anos depois, Trump é um presidente impopular, mas mantém um núcleo duro de apoiadores, mesmo que atire neles.

No Brasil, a mal-comparada versão tropical do 45º presidente de los Estados Unidos também tem uma claque fiel. A essa altura, já temos provas suficientes para saber que diga o que diga, faça o que faça, ou deixa de fazer o que tem que fazer, 30% da população brasileira apoiará Jair Bolsonaro. Como pode ser possível?

O jornal EL PAÍS de hoje publicou hoje uma longa reportagem sobre quem talvez tenha a melhor resposta a essa pergunta. “Durante os últimos anos, nos vimos obrigados a voltar o olhar ao livro As Origens do Totalitarismo, no qual Hannah Arendt disseca os pontos fundamentais que explicam essa estranha lealdade consubstancial aos movimentos de massas que os populistas de toda espécie buscam. Essa forma acrítica de ser partidário estaá relacionada com essa ideia que Trump soube ativar em seus eleitores e que Arendt descreveu em sua obra-prima: faziam parte de algo maior do que uma força política convencional; integravam um movimento”.

Hannah Arendt

Diz o EL PAÍS: “Muitos dos fenômenos que descrevem essa era da pós-verdade foram explicados e desenvolvidos por Arendt ao nos falar da adesão inquebrantável aos novos demagogos de seu tempo. Sobrevivente de uma época mais atribulada do que a atual, a alemã Arendt soube ver como tais movimentos sempre apresentam sistemas de significado alternativos perfeitamente coerentes, onde o que convence seus integrantes não são os fatos (“nem mesmo os fatos inventados”, nos diz) e sim a consistência aparente daquilo a que nos sentimos pertencer. Já aparece aqui a insuportável carga emocional com a que hoje nos ligamos a nossa tribo. A autora de Verdade e Política também nos ajudou a diferenciar entre verdades factuais e opiniões, nos alertando que “a liberdade de opinião é uma farsa se não se garantir a informação objetiva e os próprios fatos não forem aceitos”.

Aqui você pode ler a íntegra da reportagem e, depois, aventurar-se a entender, via Arendt, a mente bolsonarista.

Mais sobre Arendt

Hannah Arendt nunca se esqueceu dos anos de sua vida em que não teve um país, em que andou de um lado para o outro com documentos provisórios e em que esteve, a cada momento, à mercê de um policial que os pedisse ou de um guarda de fronteira que se negasse a carimbá-los. Tinha 27 anos quando fugiu da Alemanha, em 1933, e se refugiou, temporariamente, em Paris. Como contou, amargamente, o jornalista e escritor espanhol Manuel Chaves Nogales (1897 – 1944), os expatriados e os fugitivos dos regimes ditatoriais da Europa chegavam à França atraídos pelos ideais universais de liberdade e cidadania da Terceira República, mas, em vez de um refúgio, encontravam uma armadilha, porque, no país, na metade da década de 1930, se espessava uma atmosfera de xenofobia que fazia com que as vítimas das ditaduras e perseguições fossem vistas como inimigos preparando emboscadas, apátridas perigosos que traziam consigo sua miséria e ofendiam a boa consciência das pessoas ordeiras com seus presságios de desastres.

Nas fotos de sua juventude, Arendt transmite, através do olhar, uma expressão de inteligência e paixão. Em meio à hostil intempérie do exílio, ela conheceu o amor de sua vida, um compatriota antifascista alemão, que não era judeu, Heinrich Blücher. Em 1941, quando toda a Europa se afundava na escuridão, conseguiram escapar para os Estados Unidos. Eu visitei o pequeno cemitério em um bosque perto do rio Hudson, na parte alta do Estado de Nova York, onde estão, juntas, as duas lápides do casal, sobre a terra, entre a grama e as folhas. Arendt morreu em 1975. Nos Estados Unidos, ela obteve, por fim, uma nacionalidade definitiva, e, em Nova York, a posição acadêmica e intelectual que merecia, mas, a experiência de seus anos sem país e, portanto, sem direitos, a marcou para sempre, e se converteu no eixo vital de suas convicções políticas e de suas tempestuosas posições públicas”.

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