“De dia você é ainda mais feio, você é horrível!”. Que anda fazendo agora que não pode tocar em nenhum paus nem roubar? Como você vive?”, diz um policial local (equivalente a nossos guardas municipais) a uma transexual en Benidorm, zona turística praieira espanhola na comunidade de Valência. Ele está dentro de uma viatura e é gravado por seu companheiro, o condutor do veículo. Desconcerta, a travesti responde apenas “não, não”, e o policial insiste: “Se antes tocarias pouco paus, com o feio que você é. E agora? Já te disse outro dia, não te denunciei, que você não pode estar por aqui. A travesti apenas responde: “cigarro”. É quando o policial que grava o vídeo comenta: “temos que denúnciá-lo”. O agressor então gesticula para que a travesti siga e finaliza: “vá embora, nojento”.
O vídeo tornou-se viral nas redes sociais e inundou os meios de comunicação tradicionais. Autoridades, artistas, formadores de opinião e milhares de cidadãos publicaram seu enojamento numa cadeia de solidariedade à vítima, identifacada como Mustapha. Ontem à noite ela, uma imigrante que pouco fala espanhol, e uma amiga, participaram de uma live no instagram, na qual confirmaram que não era a primeira fez que sofriam agressões verbais, segundo elas sempre gravadas. “Pedíamos por favor não nos gravassem”.
A Polícia Nacional, responsável na Espanha em apurar crime de ódio, agiu rapidamente. Um dia depois da divulgação, os dois guardas já haviam dito identificados. O condutor ontem dormiu “no calabozo”, nombre sombrio ao qual o espanhóis se referem a cela. O comparsa pôde dormir em liberdade mas foi denunciado por omissão de socorro. Há poucos minutos, o jornal El País informou que os dois foram ouvidos hoje, por videoconferência, por um juiz de instrução, e postos em liberdade provisória. A prefeitura de Benidorm, que qualificou os fatos “lamentáveis e indignantes” anunciou a suspensão temporária dos dois e abertura de um expediente disciplinar.
A magnitudade do repúdio público, o apoio de entidades para ajudar Mustapha a denunciar o estado em primeira pessoa e a suspensão rápida dos policiais, que possivelmente nunca mais poderão vertir-se de defensores da cidadania, comoveram-me. Eu, vindo do país onde mais se mata transexuais no planeta. Viva a humanidade!
Direitos LGBTI – A Espanha é pioneira mundial em várias iniciativas de igualdade de gênero. Foi o terceiro paí a aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo (2005) e o primeiro a aceitar a adoção monoparental (2015). Em 2007 o país aprovou a lei de identidade de gênero, que permite a mudança de nome e sexo no registro civil.
A legislação do país ampara as pessoas LGTBI frente a qualquer tipo de discriminação ou agressão sofridas. Mais do que isso: o Código Penal considera agravante (circunstÂncia que aumenta a responsabilidade penal) quanto o delito se comente pela orientação ou identidade sexual da vítima.