Brasil: vale a pena insistir?
A pandemia eventualmente será vencida pela vacina. Mas e o Brasil: tem cura? A pergunta é retórica, mas em momentos de angústia, carência, sensibilidade, vulnerabilidade, falta de liderança, entre tantos outros sentimentos vividos individualmente ou em grupo, pode ser disruptiva. Com muito tempo para pensar, mas consciente que a vida é um sopro de tempo a que devemos prestar tributo, pergunto de outra maneira: vale a pena insistir no Brasil?
Pedro Cardoso, o ator que me inspirou a escrever esse texto, argumenta brilhantemente sobre o tema. Há seis dias, ele escrevia no seu instagram (@pedrocardosoeumesmo): “Não existe Brasil. Existe um amontoado de gente jogado no mesmo pedaço de chão, convivendo forçosamente, obrigados a se dizer pertencer a mesma nação”. “…Sou juridicamente brasileiro. 220 milhões de pessoas o são. Mas é mera formalidade. Não posso pertencer a um país que não existe…”. “…Grupos de militares, de comerciantes, de artistas sertanejos, de latifundiários, de fundamentalistas de falsas religiões e por ai vai. Cada grupo chama a si mesmo de Brasil como se todos os nascidos nesses limites geográficos fossem iguais a eles¨.
A tese, com a qual concordo integralmente, é que “nenhuma nação surge de 350 anos de escravidão”. Em 2020, a mercadoria de antes, entregue à própria sorte desde 1888, sofre num do país onde as seis pessoas mais ricas concentram a mesma riqueza que a metade da população mais pobre. Pode dar certo? Não, e muito menos em tempos de pandemia num governo no qual o presidente não acredita no estado. Vive-se hoje no Brasil do salve-se quem puder. Bolsonaro, o retórico de quartel, diz que ¨estamos no mesmo barco¨. Óbvio ululante. Um barco onde a maioria ocupa o porão escuro, entre ratos e baratas, vivendo de migalhas; outros estão remando por inércia para sobreviver, sem muita ilusão, o melhor combustível da vida; e alguns poucos se deleitam na primeira-clase sem fazer muito esforço.
O texto do primo de Fernando Henrique, que insisto, pode ser útil para o seu futuro, serviu-me de conforto. Moro em Madri e, assim com Pedro Cardoso, que escolheu Portugal como casa, decidi me mudar para um lugar onde objetivamente é mais fácil ser feliz. Ou considerar-me cidadão, mesmo sendo estrangeiro. Mas se antes opinava que deixar o lugar onde nasci era mais um ato de valentia (quem sairia de um país sentindo-se parte dele?) que de covardia, em tempos de governo Jair Bolsonaro, potencializado pelo caos de liderança no enfrentamento ao novo coronavírus, senti-me culpado: deveria estar no Brasil lutando democraticamente para tirá-lo da presidência! Bolsonaro é criminoso, despreparado e não tem condições de liderar 210 milhões. Ainda menos num momento transcendental como o que vivemos…
Cardoso, entretanto, lembrou-me, que ao estar aí, talvez pouco poderia fazer. Restaria-me a impotência ¨num país onde um grupo abjeto de pessoas incivilizadas, sádicos agressores de indefessos, ocuparam a terra do imaginado pela arte produzida pela minha gente. Roubaram até as cores da bandeira”. Eu, como ele, me recuso a compartilhar nacionalidade, e o consequente patriotismo, com pessoas que fazem baderna em tempos de necessário isolamento social. E aproveito para desejar ânimo aos “amontoados neste pedaço de terra” que, apesar de tudo, lutam honestamente por um país mais justo.
ps.: Aos que queiram se jogar ao mar mas têm medo, uma contribuição: foi a melhor decisão da minha vida. Pedro, pelo que vejo, está feliz em Lisboa.
Leia o post de Pedro Cardoso publicado no instagram do ator
Não existe Brasil.
Existe um amontoado de gente jogado no mesmo pedaço de chão, convivendo forçosamente, obrigados a se dizer pertencer a mesma nação. O Brasil é falso como a letra do seu hino, que, aliás, é feia e mal escrita. O Brasil nunca foi gigante porque ele nem sequer existe.
Nenhuma nação surge de 350 anos de escravidão. Eu me recuso a compartilhar nacionalidade, e o consequente patriotismo, com pessoas que fazem baderna em tempos de necessário isolamento social. Qdo um infectado entra num hospital ele expõe a risco médicas, enfermeiras e todos que forem cuidar dele. Fazer o impossível para não se infectar é uma obrigação para com os outros. Na minha opinião, quem se oferece ao vírus em aglomerações voluntariosas não deveria receber tratamento caso adoeça. Se o vírus é uma invenção, como dizem, que se curem sozinhos; e não venham arriscar a vida de quem, com sacrifício, está dedicado a salvar vidas.
Eu não pertenço a mesma nação que essas pessoas. Sou juridicamente brasileiro. 220 milhões de pessoas o são. Mas é mera formalidade. Não posso pertencer a um país que não existe. O que existe são grupos identificados por igualdade pretendida.
Grupos de militares, de comerciantes, de artistas sertanejos, de latifundiários, de fundamentalistas de falsas religiões e por ai vai. Cada grupo chama a si mesmo de Brasil como se todos os nascidos nesses limites geográficos fossem iguais a eles. Não somos. Eu não faço buzinaço em porta de hospitais nem clamo por ditadura militar.
Não pertenço a nação de quem o faz. É com pesar que sou obrigado a compartilhar com gente assim o mesmo espaço geográfico.
O País que eu nasci é o do sonho de Criolo, Mano Braun, Ruth de Souza, Pixinguinha, Chico Mendes, Leonardo Boff, Chico Buarque, Caetano Veloso, Fernanda Montengro, Amir Haddad, D. Ivone Lara, Catulo da Paixão Cearense, Dolores Duran e tantos a quem posso chamar de irmãos.
Os outros, esse grupo abjeto de pessoas incivilizadas, sádicos agressores de indefessos, ocuparam a terra do país imaginado pela arte produzida pela minha gente. Roubaram até as cores da bandeira.
Verde e Amarelo se tornou uma combinação repulsiva. Bandeira feita mortalha.
Os outros, esse grupo abjeto de pessoas incivilizadas, sádicos agressores de indefessos, ocuparam a terra do país imaginado pela arte produzida pela minha gente. Roubaram até as cores da bandeira.
Verde e Amarelo se tornou uma combinação repulsiva. Bandeira feita mortalha.
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