Alguns textos foram escritos antes de o Andar Andar existir, mas contam histórias que podem ser úteis para futuros viajantes, ou apenas curiosas.
Índia, maio de 2015 —“É um parque onde só entram casais”, disse o motorista do tuk-tuk –tricículo com teto que carrega metade da Índia–, já esperando o espanto deste interlocutor. “Amigos só entram se fingirem estarem juntos”.
O parque vive lotado. Também pudera: na Índia de 1,3 bilhão, o normal é casar antes dos 30, sendo quase compulsório dividir o sobrenome até os 35.
O tema casório é tão importante para os locais que a segunda pergunta — depois do nome — que escuto sempre é onde está minha esposa.
Certamente está pelo mundo, brinco, mas seria difícil encontrá-la aqui a partir de uma troca de olhares no shopping, ou de anotar un número no trânsito. Num país onde boates — o antro da azaração global — ainda são raríssimas, o matrimônio arranjado é regra em 2015. Como me explicaram didaticamente, na Índia “casa-se primeiro e se ama depois”.
A negociação entre as famílias envolve prospeção na comunidade entre pertencentes de castas semelhantes, e quase sempre pagamento em dinheiro ou bens pela família da “pretendente” à do varão. A mulher tem o direito de vetar as opções apresentadas até decidir ter se aproximado do seu príncipe encantado. Os homens também podem dizer não. A negativa muitas vezes é motivada pela caixa-preta do passado das pretendentes. “Elas garantem serem virgens sempre, mas como acreditar?”. Anotado.
Ter filhos tampouco é um processo natural. Por serem mais “custosas”, requererem mais cuidados e ainda não serem 100% independentes quando adultas (sociedade super patriarcal), bebês do sexo feminino são abortadas em altíssimo número. Detalhe: tanto saber o sexo da criança quanto abortar são proibidos no país, mas como se diz muitíssimo por aqui, “tudo é possível na Índia”. O resultado são muito mais meninos que meninas na rua, num país onde há mais homens que mulheres — raridade no planeta.
Apesar do crescimento de famílias nucleares (pai, mãe e filhos), principalmente nas grandes cidades, o comum são famílias em versão estendida: esposa, marido e filhos vivendo na casa dos pais do marido, e suas esposas assumindo as responsabilidades do lar supervisionadas pela sogra. Como em qualquer rincão deste planeta (como somos parecidos…), esta relação nora-sogra costuma ser conflitante, um prato-cheio para as dezenas de telenovelas que vão ao ar diariamente na mega-ultra-super poluída visualmente tv indiana.
Se casar é fácil, embora a nossos olhos longe do ideal — da tesoura do desejo –, separar-se é quase impossível. Para uma mulher, atitude impensável; para um homem, pessimamente vista. Segundo os indianos, um divórcio significa que o homem não é bom suficiente para sua mulher. Imagine a reação deles quando conto que no Brasil a média dos nossos casamentos é de 15 anos, sendo muito menos para os novos casais? Talvez só não será mais espantosa que a sua ao saber que muitos indianos que conheci não têm idéia da existência do Brasil.
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