“Não sei para qual tipo de país eu estou voltando!” Esse foi o comentário de um conterrâneo meu, numa coletiva de imprensa em Nova York, um dia depois de o Reino Unido ter votado pela saída da União Europeia.
Três de nós britânicos conversávamos, todos com a sensação de ter levado um golpe no estômago. Não por causa de qualquer amor pela instituição da UE – acredito que haja argumentos bons nos dois lados do debate. Mas porque a gente tinha certeza de que o fator mais significativo no resultado – inesperado até quando se iniciou a contagem – foi um repúdio à imigração.
Assunto complicado. Imigração muitas vezes gera tensões – não somente por lá e não somente agora.
O Brasil, por exemplo, era um país de imigração em massa, e os conflitos do processo resultaram, nos anos 1930, em uma lei que discriminava abertamente os imigrantes – a Lei dos Dois Terços, que estipulava que mais de 66% dos postos de trabalho das empresas da época fossem preenchidos por brasileiros natos.
O decreto da era Vargas foi comemorado na época pelos sindicatos e visto como uma vitória do trabalhador brasileiro.
Essa hostilidade contra o imigrante é racismo? Em muitos casos pode ser. Mas não necessariamente, como mostra o exemplo britânico. Parece que, motivados por um repudio à imigração, entre os que votaram para sair da UE estão também descendentes de imigrantes recentes, que já foram vítimas de racismo.
Como no caso brasileiro na década de 30, o assunto engloba outros fatores, especialmente a relação entre capital e mão de obra, e acredito que estudar isso se tornou bastante necessário.
A verdade é que as economias do mundo ocidental enfrentam um grande problema: o que fazer com tanta gente?
A produção virou global – o que quer dizer que os postos de trabalho manufatureiros têm sido deslocados aos lugares onde o capital pode pagar menos.
E aquelas pessoas no Ocidente que antigamente desempenhavam essas tarefas? Ficaram sem função. Não têm mais utilidade como produtores. Alguns, é verdade, podem ser absorvidos pela economia de serviços. Mas não todos. Sob a ótica do sistema, somente são úteis, na medida do possível, como consumidores.
Mas como consumir sem produzir? O crédito somente consegue tapar o buraco a curto prazo. E, numa perspectiva mais longa, depois de décadas e gerações de progresso, pessoas estão voltando à precariedade – como os estivadores dos velhos tempos, que iam todos os dias para o lado das docas de Londres para ver quem seria escolhido para trabalhar.
Esse grupo ganhou fama por mostrar hostilidade a qualquer estranho – o que não chega a ser nenhuma surpresa, já que eles enxergavam o desconhecido como uma ameaça ao seu sustento.
Acredito que um processo semelhante esteja acontecendo agora. O imigrante paga o pato, por um lado, por uma mudança produtiva que tira empregos, e por outro, pelo fim ou redução de políticas sociais de inclusão.
A mãe da minha mãe era empregada doméstica. Eu fiz faculdade. Esse pulo em duas gerações foi fundamentado em coisas como moradia com aluguel popular e em estudo universitário não apenas gratuito, mas bancado – coisas que não existem mais.
Sendo assim, não é de se espantar que tem gente que não consegue enxergar todos os benefícios que a imigração traz, que somente vê a presença do imigrante como um fator que vai baixar mais ainda o salário – gente disposta a cair no encanto de um político populista que oferece soluções fáceis.
O plebiscito do mês passado, então, traz à tona um assunto bastante mais profundo do que a permanência ou não do Reino Unido na União Europeia. Muito mais importante é a necessidade de pensar em uma sociedade que possa ser, ao mesmo tempo, pós-industrial e inclusiva.
*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick