Não conheço um país sequer onde empresas aéreas estrangeiras possam comandar os céus locais. Dado que o mundo deve ter lá seus bons motivos para adotar a medida, parece-me aterrorizante, escandaloso, que a aprovação ontem, 21, pela Câmara dos Deputados, de um projeto que permite às empresas estrangeiras ter o controle total das companhias nacionais tenha passado tão em branco na imprensa quanto as nuvens que sobrevoam a Amazônia.
Na prática, o que o projeto apoiado por Michel Temer faz é permitir que, em breve, possamos subir num vôo da American Airlines do Rio de Janeiro a Manaus ou, pensando num futuro não tão distante, imaginar Dona Aurélia, do interior do Ceará, confundir-se toda ao pronunciar a sua filha que tomará um voo da Lufthansa para chegar a Salvador.
Por que isso é ruim? Não sei ao certo, mas prefiro seguir o mundo. Certamente, tem a ver com soberania, segurança nacional, desenvolvimento regional, entre outros motivos menos visíveis a um leigo dos fluxos planetários.
O fato é que o normal hoje, nos quatros cantos do planeta é, depois de muita negociação bilateral, o controle total estrangeiro possa existir quando haja reciprocidade proprietária. Que pudéssemos subir numa avião da Latam para ir de Nova York a San Francisco, pensando-se na reciprocidade com os Estados Unidos, por exemplo. Essa hipótese, parênteses, é impensável para a pátria-madre capitalista.
Mais estranho ainda é saber que, em 2016, uma medida provisória editada por Dilma Rousseff já ampliava a participação estrangeira no capital das empresas aéreas, de 20% para até 49%.
Por que tanta pressa em liberar geral? Segundo o autor do pedido de mudança, o deputado Baleia Rossi (SP), o incremento é fruto do seu compromisso com a “modernização do Brasil”. Um dos seus pares, o líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE), disse à Folha de S.Paulo: “contribuirá para a recuperação da economia”. Os fins, os meios.
Fico com uma fala mais condizente com o planeta Terra: “Entregar a proposta política de aviação civil brasileira 100% ao capital estrangeiro é uma desfaçatez. Quase país nenhum faz isso. Tem gente aqui que vem falar que a gente é do século passado. Por que os Estados Unidos não abrem? Isso é um cinismo”, rebateu o deputado Ivan Valente (PSOL-SP).
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