Diários de Caracas [2]: falta luz, falta água
O recado no elevador avisa: em abril e maio — pelo menos — haverá água quatro vezes por dia durante 1h30 por turno. Sorte dos moradores do edifício em Chacao, uma zona nobre de Caracas, que podem financiar caminhões-pipa (custam 10000 bolívares, ou 10 dólares) e marcar horário com o chuveiro.
Para os caraquenhos pobres, ou quase todos, a única coisa a fazer é ficar de olho nas torneiras que teimam em não pingar em vários barrios (sim, barrios), as comunidades pobres da urbe de 8 milhões. Quando a água chega, traz com ela o mau cheiro.
É luxo duplo, logo penso, ao não ter de subir pela escada ao 11º. Em todo o país, desde 21 de abril, cerca de 23 milhões de pessoas ficam sem eletricidade ao menos quatro horas por dia. Somente os moradores da capital ainda têm a sorte de acordar e ir dormir com luz.
Segundo o presidente Nicolás Maduro, a culpa pela falta d’água e de luz é do El Niño, fenômeno climático que aumenta as chuvas em alguns países e diminui em outros. Eu, você, Maduro e quase todos os venezuelanos sabemos que o “O Menino” existe desde sempre, somente ganhou paternidade — um nome — em 1997, quando virou assunto da moça do tempo. E temos que encará-lo abrindo mão da incompetência.
Por que faltou?
Conversando com os caraquenhos, é fácil ter respostas mais inteligentes sobre (mais) essas perdas — os venezuelanos também sobrem com a falta de remédios básicos e alimentos de primeira necessidade.
Segundo muitos deles, há tempo não se houve falar em investimentos em infraestrutura elétrica, como a construção de termoelétricas, por exemplo, que utilizam combustíveis fósseis, como o abundantíssimo petróleo — o país tem as maiores reservas do mundo. Numa busca rápida, leio que técnicos afirmam que 60% da capacidade termoelétrica do país está desativada.
Tempo houve para botar as turbinas para funcionar e minimizar a dependência da hidrelétrica de El Guri, já que o presidente Chávez, a quem Maduro sempre reverencia, assumiu o comando do país pela primeira vez em 1999. Parênteses: Por conta da falta de água e de luz, o nome da represa responsável por 70% da energia venezuelana e que está em situação crítica — “muito perto de as turbinas pararem” — é dito em Caracas a todo momento. El Guri só não é mais citada que Chávez, sem dúvida a palavra mais falada por essas bandas.
Outra ótima explicação para a falta de água, de luz e de esperança, escutei de uma Moradora de Petare — a zona mais pobre de Caracas. Ela foi arrebatadora: “Como não vai faltar uma coisa se aqui é quase de graça e ninguém valoriza”. Para se ter idéia, segundo a eloquente colombiana de 44 anos — 30 deles na periferia Caracas –, a conta de luz de uma casa como a dela — dois cômodos, 2 tvs, ar-condicionado, geladeira e microondas — não passa de 300 bolívares (R$ 1,2 um real e vinte centavos) mensias. A água e tão barata quanto. Ela, como muita gente, nem conta recebe. As ligações clandestinas dominam o visual da comunidade pobre.
E agora?
Pior que saber dos reais problemas é conhecer as soluções propostas pelo presidente: cancelamento do expediente público às sextas-feiras, mandando todo mundo pra casa ver tv; adiantamento do relógio mais meia-hora (até abril, a Venezuela marcava 1h30 menos que Brasília, que passou a 1h menos) para que escureça mais tarde; obrigatoriedade de determinados setores da indústria e comércio, como shopping centers, terem geradores para funcionar a partir de determinada hora ou fecharem as portas.
A Venezuela de 2016 é um caos, e não há bandeira ideológica que seja capaz de contar outra história. Nicolás Maduro está em curto-circuito.