Vale a pena morar fora?
Durante milhares de anos, vivemos andando de um lugar ao outro, procurando alimento necessário para sobreviver. Era 10 mil AC quando criamos a agricultura, e com ela descobrimos que plantando e colhendo era possível viver num lugar só. Curiosos e engenhosos, inventamos a roda para nos mexermos mais e melhor, e principalmente para aumentar nossa produtividade. O tempo passou, e da roda se fez a carroça, o fusca, a base para que o avião pudesse decolar. Passamos a viajar e voltar a nossa origem. Mas também a nos mudar movidos por um desejo pessoal, ou muitas vezes alheios a nossa vontade.
Há gente que deixa o lar fugindo de guerras; há gente que sai de casa pensando em curtir o intercâmbio nos EUA; há outros que carregam os filhos a outro lado em busca de uma vida melhor, há até os que não pensam duas vezes em se mudar para se aventurar a viver um grande amor. É infinita a lista de motivações para ir.
Num momento de total desesperança com o futuro do Brasil — como nunca percebi antes — é comum escutar de amigos a seguinte pergunta: “vale a pena largar tudo e ir para a Europa?”. Vivo em Madri desde 2013.
Lisonjeado em servir de referência, respondo sempre que a pergunta compete com a mais emblemática de todas — de onde viemos, para onde iremos? — em grau de especulação. Para mim, é, claro, sempre vale a pena largar tudo e seguir o instinto, apesar de o “sim, mas e o meu emprego….minha família…minhas raízes, etc…atrapalharem o caminho. O “sim, mas”, eu disse, é a licença poética nobre da nossa covardia. Ser covarde, continuei, é achar que normal é conservar-se, não assumir riscos.
Vale a pena morar fora?
Vale a pena morar fora?Eu sei, não é tão simples assim. Criamos raízes, vínculos afetivos, de emprego, compramos um apartamento, um carro, temos coisas das quais não queremos abrir mão. Somos materialistas.
Além do mais, para ir assumimos riscos e temos que nos adaptar todos os dias. Muda a casa, a comida, os amigos, o noticiário, a rotina, os cheiros, os amores. Chega a saudade.
E ainda mais: humanos que somos, vivemos sempre com a dúvida: fiz a melhor escolha? É como dizer que quem mora em Nova York talvez pense melhor viver em Londres, e quem vive em Londres acha que Nova York é de fato a capital do mundo. Não saber se estamos no lugar certo é uma sina, e acredito que dá graça à nossa jornada. Para saber qual o lugar certo, é certo que tentamos que tentar mudar de ares.
A motivação de ir, reafirmei ao meu amigo, é única, pessoal e intransferível, por isso puramente especulativa. A única coisa que tenho certeza é que, quando olho para trás, 32 anos — idade em que ainda temos bastante controle sobre nossas circunstâncias –, cinco países como casa e 42 países na bagagem, orgulho-me imensamente das escolhas que fiz.
Viajar, ou morar fora e compreender o mundo a partir de outra perspectiva, é sem dúvida melhor maneira de nos definir e nos situar como seres-humanos em meio a sete bilhões. Como não se espantar, por exemplo, com as diferenças — e a beleza — da vida em Havana ou Nova York, cidades onde casualmente morei. Ou se perguntar (fútil?) qual o motivo de existirem povos tão bonitos e outros nem tanto? Ou por que há lugares onde o trabalho é o mais importante de tudo e outros apenas motivo de subsistência. É encantador.
O fato, completei, é que para mim ousadia, desapego e curiosidade nunca são suficientes para ver o mundo. Ir é o que realmente importa.
Espero não influenciar suas decisão, queridos amigos.
Mais sobre o tema:
“Meu melhor conselho”, post sobre se é uma boa ideia migrar (aqui)
“5 motivos por que você deve experimentar morar fora” (aqui)
Brasil: vale a pena insistiir (aqui)
“Aprende-se a viajar? Sim, e é viciante”, post sobre como viajar aquece a alma (aqui)
Aos que pensam em seguir um “novo caminho”, vale a reflexão sobre o risco, essa misteriosa e, muitas vezes, incompreendida variável. Se não mudamos a nossa perspectiva em relação ao risco e adicionamos um componente positivo e de crescimento, a âncora nunca se desvencilhará dos nossos pés.